Tendo em atenção o início dos campeonatos no âmbito da formação e na preparação do ano desportivo pelos clubes neste domínio, aproveito para refletir num tema que penso merecer interesse.
Aproveito para desejar as maiores venturas a todos aqueles que se dedicam a esta área técnica, pedagógica e competitiva na conquista do melhor caminho para a conquista do futuro.
Um Jogo de Futebol é portador de uma magia inigualável. Como diz (Garganta, 2002), em 90 minutos é possível condensar várias histórias e reproduzir muitas das graças e desgraças da vida. Daí um dos seus principais encantos – uma obra de arte cuja magnitude social muitos pseudo intelectuais ainda não entenderam.
O jogo de futebol, é indiscutivelmente nos dias de hoje como o tem sido ao longo dos tempos, a modalidade desportiva de maior impacto na sociedade, capaz de orientar a imagem que a mesma representa, sendo muitas vezes influenciado por ela.
Quanto a mim a essência do jogo reside no seu carácter lúdico, transposto para um patamar cultural indispensável na formação de uma sociedade projectada para uma vida universal, apelando ao despertar de uma inteligência colectiva, numa exigente adaptação às múltiplas situações que a prática do belo jogo impõe. Daqui, emerge uma figura capaz de fazer despertar o prazer na concretização dos seus objectivos de conquista – o TALENTO.
As crianças e jovens bem cedo, através da prática do jogo espontâneo, aprendem a controlar as suas emoções, estabelecem uma partilha comunitária, de canseiras repetidas até ao limite, num envolvente desafio pela conquista do suor experimentado numa paixão continuada.
Das praças, ruas, montes, caminhos, estradas em terra batida … sem árbitros, com um nº de jogadores variável de acordo com o tamanho do terreno (mas quem mandava era o dono da bola), balizas marcadas com pedras sobrepostas, quantas vezes descalços, para não estragar a bola, sem hora marcada…tinha lugar o Futebol de rua!...
Hoje, a maioria dos jovens cresce em ambiente marcadamente hostil para o desenvolvimento da sua criatividade. O contexto familiar e escolar caracteriza-se por um clima de orientação intencional, com normas altamente restritivas, o aumento dum clima de desconfiança, a ausência de espaços livres em proximidade, a existência de uma ocupação repetidamente construída em que os teclados são os primeiros mensageiros e um comodismo doentio, sempre acaba por impor as suas regras. Perde-se assim a alma do jogo que autenticamente o Futebol de rua fazia eclodir e transita-se para as escolas de Futebol a relação com a aprendizagem do jogo.
Entretanto a formação emocional no seio familiar, da criança e do jovem, fica dependente do reconhecimento que lhe é prestado. Crianças e jovens mais reconhecidos e amados acreditam mais nas suas capacidades, enquanto que as pouco elogiadas ou esquecidas, ou quando o elogio não está de acordo com a sua verdadeira evolução, entram em dúvida sobre si próprias, retraem-se e acabam por desistir das tarefas que lhe estavam confiadas.
A acrescentar o facto de vermos certos pais, por um lado a alhearem-se completamente da prática desportiva de seus filhos, vemos outros, que pelo contrário a usar a pressão por comentários depreciativos com interferências no trabalho dos treinadores, utilizando espectativas elevadas, usando a proibição da prática desportiva como forma de castigo de um mau resultado escolar, acabando por causar um autêntico descontrolo emocional de quem tem pelo treino e pelo jogo uma das melhores prioridades para evoluir de forma qualificada.
Por outro lado e no que diz respeito à Escola, as atividades da educação física e o próprio desporto escolar, encontram-se cada vez mais reunidas num dossier de magras intenções, em que a tutela se desobriga da responsabilidade, vendo aumentar-se cada vez mais uma iliteracia desportiva e que certos “donos da verdade” se gabam de aplaudir. Cargas horárias irracionalmente desajustadas. A disciplina de educação física, sendo obrigatória, a sua avaliação, a partir de um determinado momento apenas serve para fins estatísticos. O desporto escolar com horários completamente desajustados para o interesse dos alunos e em que os federados numa determinada modalidade participam com os não federados, não tendo estes a possibilidade de competir a nível mais elevado … etc … Deste modo, o desporto vê-se confrontado com uma escola que não serve os verdadeiros interesses que lhe estão confiados, como seja a formação integral do jovem e que assim se vê mais disponibilizado para uma certa “preguicice”, renunciando ao esforço, ao suor, à dor, ao sacrifício, à perda de hábitos de trabalho em equipa, ao abandono da responsabilidade no cumprimento de regras, deveres e obrigações, da capacidade de emulação e superação para se tornar mais forte, mais ágil, mais resistente, mais veloz, mais inteligente que pela conversão do pensamento em ação, pode fazer transbordar numa energia coletivamente consagrada.
Deste modo os clubes se vão preparando para dar respostas, criando academias ou escolinhas de formação desportiva, começando por inserir na sua marca o conceito verdadeiramente formativo, quer pela construção de estruturas básicas de qualidade garantida, quer com o recrutamento de treinadores pedagogicamente qualificados, recorrendo alguns deles, ao apoio de equipas na área médica, nutritiva, pedagógica, psicológica e social.
É evidente que por vezes se vai assistindo, aqui e acolá, a uma sistematização dum ensino pedagogicamente standardizado, e, com uma agravante motivação para a tipificação para a clonagem de jogadores, com expectativas elevadas a curto prazo, mas excessivamente previsíveis a longo prazo, retirando-se ao génio e ao criador o seu verdadeiro espaço.
Por vezes opera-se uma demasiada tecnificação do ensino do jogo e do treino, constituindo uma entrave á evolução inteligente do jogador, orientando-o para práticas descontextualizadas que uma repetição constante aborrece e constrange.
No entanto, o que se via há uns tempos a esta parte em matéria de treino, foi praticamente irradiado, isto é, “obrigando” os jovens atletas a cargas de treino barbaramente excessivas para as qualidades energéticas e funcionais dos atletas em formação, usando métodos utilizados pelos adultos, como se uma criança fosse um adulto em miniatura, dando origem ao vulnerável aparecimento de lesões, saturação, hipertrofias que conduziam a traumatismos articulares, ligamentares e músculo tendinosos, culminando no esgotamento e por fim, ao próprio abandono.
Como dizia, os clubes estão cada vez mais apostados em capitalizar de forma humana, técnica e cientificamente os seus quadros no âmbito formativo. Os seus treinadores, numa larguíssima maioria ou são oriundos das universidades ou com grau de formação de treinadores compatível para as funções a desempenhar. Sabem perfeitamente que em matéria de treino deve haver um respeito absoluto pelo grau maturacional do atleta e por isso, a qualidade do treino tem obrigatoriamente de ser feita com a observação da idade biológica do atleta e não apenas recorrendo à idade cronológica, no sentido de evitar os perigos de uma especialização precoce. Sabem que têm de seguir as grandes etapas de desenvolvimento - da formação, iniciação, orientação, especialização até ao alto rendimento. Sabem que têm que ser pacientes e persistentes, tornado os treinos motivadores, criativos e organizados. Sabem que devem evitar as instruções de forma hostil ou primitiva, mas sempre de forma encorajadora. Têm consciência de que ganhar é muito importante, mas a capacidade de rendimento ainda se torna mais operante e sabem ainda que no seu “diário de bordo” tem que estar inscrito em letras douradas os valores da honestidade e a firmeza das convicções, procurando ser um educador, amigo, conselheiro, enfim, um modelo de comportamento exemplar, segundo o qual se permita corrigir sem ofender e orientar sem humilhar.
É com base nesta doutrina que ao longo do tempo no capítulo da formação de treinadores e como responsável docente na minha vida académica, perante os alunos dos cursos de licenciatura ou mestrado, procuro incutir nas minhas mensagens pedagógicas.
Penso que deste modo o talento pode germinar de forma mais segura e generosa, porque está inserido numa cambiante inatacável de processos, sendo assim mais capaz de conquistar outro rumo com nova distância … e como dizia Fernando Pessoa “ do mar ou outra, mas que seja nossa”!...
Fonte: A Bola online
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